sábado, 14 de janeiro de 2012

O DEUS da HIPOCRISIA

Fui ao cinema hoje à tarde. Maravilha. Bilhete a 3 euros porque sou senior, sala com dez ou doze pessoas, shopping pouco cheio mas com vida, ambiente de neve a lembrar que estamos no inverno, sentia-me bem.
Os meus filhos e netos não estão cá hoje, de modo que é aproveitar a liberdade (?) e vencer qualquer resquício de depressão.
Fui ver " O Deus da Carnificina", tradução à letra do título da peça de Yasmina Reza, Le Dieu du Carnage, peça de que já falei aqui,
creio eu, quando esteve em cartaz no Teatro Carlos Alberto no Porto, uma experiência que valeu a pena, pois os actores eram incontestavelmente bons, o ritmo excelente, interpretação a nível superior, quanto a mim equivalente a muitas peças de Teatro Francês que vi em tempos em Lisboa. Até Paulo Pires estava óptimo no papel dum advogado corrupto.
. A história é simples, mas o desenrolar da situação duma densidade estrondosa.
O filme não me empolgou, embora tenha gostado, sobretudo do diálogo - Yasmina Reza é admirável na maneira como pôe os sentimentos a nú e passa dum registo banal para o sarcasmo ou ironia e destes para a violência verbal.
Já tinha ficado extasiada com Art, que vi em Inglaterra
com os célebres Tom Courtenay e Albert Finney, tendo lido a peça depois duas vezes. Reza é teatro e daí o filme me ter passado um pouco à margem e demasiado rapidamente.
Os actores são óptimos, mas paradoxalmente, achei a nossa Joana Seixas muito melhor do que Jodie Foster, que produz overacting desnecessário naquela personagem. Melhor está Kate Winslet e os dois actores masculinos.A densidade da situação no filme é menos palpável do que no palco.
Talvez o filme pareça melhor para quem não viu a peça ou a leu. Como conhecia o desenvolvimento do enredo, perdi um pouco do suspense.

Fica aqui o trailer para quem quiser o aperitivo:

1ª vida

Costuma-se dizer que o gato tem sete foles ou sete vidas.Sobrevive a tudo, quedas, atropelos, pancadaria, maus tratos, etc.

Não é o meu caso...não sofri nada que se pareça, embora tenha tido a minha quota parte de desilusão e dor em vários momentos cruciais da minha vida. Não os posso , nem devo enunciar aqui, pois isto não é um confessionário. Dessas provações renasci sempre e considero que já vivi umas cinco das vidas que o destino tem reservadas para mim.
Dantes as pessoas viviam só uma vida no mesmo local ou, se variavam, voltavam mais tarde às raízes, casavam uma vez e para toda a vida, mesmo que houvesse traições durante o percurso, a mobilidade era menor, a família mais unida na aparência. Isto é o que nós imaginamos, pois sei que muitas famílias não eram standard ou exactamente assim e que havia muitas quezílias, sobretudo quando se tratava de partilhas ou da morte dos membros mais velhos.


Vivi o que considero a minha 1ª vida dos 5 aos 20, a minha infância e adolescência e é delas que hoje falo. Não considero que tenha sido uma infãncia dourada, mas andou por perto e, se não olho para aqueles anos como os mais felizes da minha vida, é porque o meu feitio e personalidade me não deixaram estagnar na doçura da estabilidade e afectos, cedo demais achei que tinha de me rebelar, mesmo que só aparentemente, para não ficar formatada para todo o sempre, como tantas outras meninas bem da minha idade para as quais olhava com terror, desdenhando a sua vacuidade e pouco interesse.Quis sempre mais.

Os meus pais viviam bem, nunca tivémos problemas económicos; na minha casa tínhamos conforto, espaço ( algo inimaginável nos dias de hoje), uma relativa liberdade e muitas obrigações ou valores como queiramos chamar-lhes. Vivíamos com sobriedade numas coisas, como roupas, comida, materiais escolares ou lúdicos ( nunca tive uma bicicleta, por exemplo), mas com excesso noutros campos, que agora não interessa aqui enumerar. A pouco e pouco, no entanto, as mordomias foram escasseando por força das mudanças sociais e fui-me dando conta de que a vida não era o mar de rosas da minha infância, os meus Pais tinham sofrido bastante para chegar até ali e a cada um de nós cabia realizar algo mais.

Fui uma católica fervorosa nos tempos do liceu e empenhei-me em tudo o que me metia, até fiz jornal de escola quando não havia senão stencis e os desenhos tinham de ser marcados na cera para depois se policopiarem. Foi uma época importante na minha vida, em que viver pressupunha militar em qualquer ideal, lutar por alguma coisa, criticar e ser mais interveniente. Nunca fui de esquerdas, embora na
universidade visse bem os podres do salazarismo. Havia profs banidos, havia os instalados. Havia alunos revoltados e algumas manifs. Não entrava nisso, preferia estudar afincadamente, passava horas na biblioteca a ler Shakespeare ou a estudar Linguística, dava explicações de Alemão e ainda trabalhei nos escritórios das motos Honda e num Lar de 3ª idade para estrangeiros. Fiz tese de licenciatura, que mais nenhuma colega quis fazer pois contava que ia ser abolida em breve e, em 1971, comecei a dar aulas e a estagiar no Liceu Pedro Nunes.

Esta foi a primeira das minhas vidas, sempre em Lisboa, com idas esporádicas a Inglaterra, França e Alemanha e Áustria à minha custa para aperfeiçoar as Línguas e tomar conta de crianças. Numa viagem à Suécia com estudantes do Técnico e de Coimbra conheci o meu futuro marido e a minha 2ª vida começou.

Hoje sonhei com a minha casa de infância, com os meus Pais e irmãos. Parecia um filme...a casa era linda, o jardim imenso.
Foi lá que aprendi a amar a Natureza, as árvores, as estações do ano, o cheiro da relva cortada, as flores. Por isso tudo agradeço hoje e com nostalgia aos meus Pais.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

A lareira e Saint Saens

Ontem resolvi acender a lareira só para mim.
Sentia-me bem em casa, já eram umas dez horas, não me apetecia ver nada na TV - estou cansada dos programas de informação que entrevistam sempre as mesmas pessoas , salvo raras excepções, aliadas ao governo ou ressabiadas por não terem sido convidadas para nenhum poleiro ou ainda duma oposição que se limita a repetir cassetes com mais 40 anos...novelas, confesso que não gosto de nenhuma, parece que retrogredimos 60 anos, tal a discrepância entre o que se vê e aquilo que acontece na real, gente violenta, que só pensa em vinganças, em assassínios camuflados dos seus familiares ( nem os Bórgias eram tão maus:)), maledicência, caricaturas mal amanhadas que não dão nenhuma vontade de rir, situações ridículas que me fazem corar de vergonha por ser portuguesa, nomes sonantes de famosos ( famosos em quê e porquê???), música pimba a granel, não há um programa que preste.
O que me salva às vezes é o MEZZO, sobretudo à tarde, e o Fox Crime que apresenta séries de casos judiciais com algum interesse e bem feitos. O resto é lixo puro e só quem não quer é que não se dedica a coisas mais interessantes.
Ontem acendi a lareira com facilidade pois os tarolos já estavam bem secos, as pinhas também e ainda tinha as acendalhas a ajudar. Rapidamente entrei naquele estado de nirvana, em que a visão das chamas na sua coreografia avermelhada e o ruído do crepitar e estalar são suficientes para esquecermos todos os males do mundo e acreditarmos numa felicidade à mão de semear.
A música também é um bálsamo. Desta vez foram dois concertos de Saint-Saens,
um compositor francês menos popular, talvez do que Beethoven ou Mozart, mas que é dum vigor e brilhantismo impares. Qualquer pianista que toque bem Saint-Saens encontrou a receita para o sucesso porque é música empolgante tocada ao vivo. Gosto dos cinco concertos para piano e ainda dos de violino e o de violoncelo, sem falar do Carnaval do Animais,
uma obra encantadora ou a Dansa Macabra, o Requiem, a Oratória de Natal, etc.etc.
Conceder-se a si próprio este manjar por uma ou duas horas permite-nos viver melhor e até mais longe.
O meu Avô costumava estender-se numa chaise longue junto ao rádio e, fechando os olhos, entregava-se ao prazer da música e do sossego. Viveu até aos 82 anos e mais viveria se não fora a sua loucura por viagens. Adoeceu em Vigo com uma pneumonia de que veio a falecer. Muito aprendi com ele...sobretudo a apreciar a paz.

Eis aqui um pedaço dum dos concertos para piano tocado pelo admirável Sokolov:

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

David Hockney

Já há tempos escrevi sobre este pintor inglês que deve ser considerado o maior vulto do secs XX e XXI, dada a versatilidade da sua obra, a sua popularidade em todo o mundo e a grandeza das suas pinturas, colagens, cenários de filmes, entrevistas , livros , etc.
Há muito anos que conheço o pintor de nome. Em tempos recebia uma revista para o ensino do Inglês, que se chamava Arts e que incluía excertos de livros publicados recentemente assim como pequenos posters de quadros feitos por artistas anglo-saxónicos.

Em tempos fotocopiei uma pintura de David Hockney de 1998 a preto e branco e dei aos meus alunos para eles especularem sobre a paisagem e as cores que ali não constavam. Foi a introdução a uma aula interessante sobre arte e os alunos, que queriam seguir essa via, ficaram entusiasmados e até pintaram as fotocópias à sua maneira, seguindo-se uma pesquisa sobre o pintor e a sua obra. Nunca mais me esqueci do nome do quadro - Garrowby Hill - e tive o prazer de o ver no Museu de Boston, onde a minha filha me tirou uma foto junto ao mesmo. É claro que a foto ficou com reflexos e não se vê muito bem a pintura.


No Natal a minha filha ofereceu-me um livro que fez os meus encantos. Chama-se : A bigger message: Conversations with David Hockney e já li as suas 240 páginas em 15 dias, tal é o fascínio que me suscitou.

Vão aqui algumas das frases com que me identifico totalmente. Questionado sobre o seu gosto pelas árvores, diz Hockney:

Trees are the largest manifestation of the life force we see. No two trees are the same, like us.We're all a little bit different inside, and look a little bit different outside...the trees become friends. I've always liked trees, but being here you look really hard at them. You notice things..."

Tradução minha:
"As árvores são a maior manifestação de força vital que podemos ver. Não há duas árvores iguais, como acontece connosco. Somos todos um pouco diferentes por dentro e a nossa aparência exterior também é um pouco diferente...árvores tornam-se nossas amigas. Sempre gostei de árvores, mas vivendo aqui, olho para elas mais intensamente. Noto coisas nelas."

Interrogado sobre a sua mudança de Los Angeles para o Yorkshire, donde é natural , explica:
Here the light might change every two minutes. Every day is totally different in this part of East Yorkshire. There is absolutely constant change.The light will be different , the ground changes colour.

" Aqui a luz pode mudar de dois em dois minutos. Cada dia é totalmente diferente nesta parte do East Yorkshire. Aqui a mudança é absolutamente constante. A luz é diferente, o solo muda de cor."

Sobre televisão: When I watch Tv these days I think there's just not enough to look at. It asks you to look at it, but then doesn't really give too much to look at.

" Quando olho para a TV hoje em dia, acho que não há suficiente que ver. Pedem-nos que olhemos para ela, mas não nos dão muito que valha a pena ver."

Poderia aqui transcrever mais frases do livro que me tocam, mas o inglês não é acessível a todos , de modo que fico por aqui, aconselhando este livro, que pode ser adquirido pela Amazon, a todos os que se interessam por Arte e pela pintura, em especial.

David Hockney

Já há tempos escrevi sobre este pintor inglês que deve ser considerado o maior vulto do secs XX e XXI, dada a versatilidade da sua obra, a sua popularidade em todo o mundo e a grandeza das suas pinturas, colagens, cenários de filmes, entrevistas , livros , etc.

Há muito anos que conheço o pintor de nome. Em tempos recebia uma revista para o ensino do Inglês, que se chamava Arts e que incluía excertos de livros publicados recentemente assim como pequenos posters de quadros feitos por artistas anglo-saxónicos. Em tempos fotocopiei uma pintura de David Hockney de 1998 a preto e branco e dei aos meus alunos para eles especularem sobre a paisagem e as cores que ali não constavam. Foi a introdução a uma aula interessante sobre arte e os alunos, que queriam seguir essa via, ficaram entusiasmados e até pintaram as fotocópias à sua maneira, seguindo-se uma pesquisa sobre o pintor e a sua obra. Nunca mais me esqueci do nome do quadro - Garrowby Hill - e tive o prazer de o ver no Museu de Boston, onde a minha filha me tirou uma foto junto ao mesmo. É claro que a foto ficou com reflexos e não se vê muito bem a pintura.

No Natal a minha filha ofereceu-me um livro que fez os meus encantos. Chama-se : A bigger meassage: Conversations with David Hockney e já li as suas 240 páginas em 15 dias, tal é o fascínio que me suscitou.

Vão aqui algumas das frases com que me identifico totalmente. Questionado sobre o seu gosto pelas árvores, diz Hockney:

Trees are the largest manifestation of the life force we see. No two trees are the same, like us.We're all a little bit different inside, and look a little bit different outside...the trees become friends. I've always liked trees, but being here you look really hard at them. You notice things..."


Interrogado sobre a sua mudança de Los Angeles para o Yorkshire, donde é natural , explica:
Here the light might change every two minutes. Every day is totally different in this part of East Yorkshire. There is absolutely constant change.The light will be different , the ground changes colour.

Sobre televisão: When I watch Tv these days I think there's just not enough to look at. It asks you to look at it, but then doesn't really give too much to look at.





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Poderia aqui transcrever mais frases do livro que me tocam, mas o inglês não é acessível a todos , de modo que fico por aqui, aconselhando este livro, que pode ser adquirido pela Amazon, a todos os que se interessam por Arte e pela pintura, em especial.

domingo, 8 de janeiro de 2012

Voltar às origens

Hoje deu-me um repente e ainda não parei. Primeiro montei o meu velho PC na cozinha para poder ligar à Internet. Já o tinha arrumado a um canto do atelier....mas o Mac roeu-me a corda e agora vai levar tempo a vir arranjado.
Tenho andado a arrumar toda a decoração de Natal num frenesim, provocado pela partida da minha filha mais uma vez. Já falei com ela, telefonou-me de Stansted, onde aguardava o comboio para Leeds, calma e sorridente, com uma certa ânsia de se ver em casa ...para ela Leeds será sempre a sua casa. Nunca o ditado Home is where you are happy teve tão significado.
Eu pópria sinto Leeds como uma segunda casa, um segundo país, uma segunda língua, outro povo que amo e com os quais me sinto bem, às vezes, melhor do que com os meus conterrâneos, sem desprimor para ninguém.
Saí de Lisboa há 37 anos, perdi as raízes, andei por vários sítios onde me senti em casa, acabei por aterrar um pouco forçada na capital do Norte e aqui procuro encontrar uma pátria de que gosto e que me acolhe.

Daí ter dito na minha exposição que a única foto de Lisboa que está exposta é a da Gare do Oriente - precisamente no local onde se apanha o pendular para o Porto!

Compreendo os imigrantes que não sentem nenhuma das terras onde vivem ou viveram como suas. Também não sinto o Porto como minha terra. Amo a cidade, sobretudo a arquitectura, localização, romantismo,
cultura e apego ao que é seu. Mas não amo assim tanto as pessoas, o sotaque, a refilonice e a falta de modos que encontro mesmo em pessoas que deveriam tê-los. Também há aqui muita gente boa e interessada, trabalhadora e criativa, graças a Deus.
E aqui tudo é perto...o que é uma vantagem que também encontro em Leeds, cidade cheia de gente nova e animada até altas horas da noite.

Há tempos fiz uma composição duma foto que tirei em Cardigan Road,
a rua onde a minha filha morava, há sete anos atrás e, onde fiquei pela primeira vez.Ajudei-a a tornar o quarto que era grande , frio e húmido num local um pouco mais acolhedor, comprámos candeeiros, panelas, cortinas, eu sei lá. Forrei os armários por fora com plástico adesivo e ela pôs posters nas paredes.
Esta rua parecia-me mística a mim, tais as árvores lindíssimas e o ambiente quase irreal que por lá se respira. Cardigan Road, uma rua onde muito se passou e que ficará na história da nossa família por muito tempo.